Qual o papel do fisioterapeuta pélvico pediátrico?

O Fisioterapeuta pélvico pediátrico é uma subespecialidade dentro da fisioterapia pélvica. A atuação do fisioterapeuta nesta área se difere do adulto em diversos aspectos e é necessário formação específica.

A criança é um ser em constante transformação. Todos os sistemas estão processo de desenvolvimento. O sistema urinário, principal alvo da nossa abordagem, pode ser afetado diante de hábitos e comportamentos inadequados causando, como consequência, disfunções do trato urinário.

A disfunção do trato urinário inferior (DTUI) consiste em alterações da micção, que podem ocorrer tanto na fase de enchimento vesical quanto na fase de esvaziamento. Pode ter origem anatômica, neurológica ou funcional (quando se exclui causas anatômicas e neurológicas). A fisioterapia pode atuar em todas as causas, entretanto a maior demanda vem das causas funcionais devido a maior incidência. Esta pode variar de 3,8% a 46,4% em crianças na idade escolar, sendo mais comum em meninas. Mas pode acometer crianças de todas as idades, embora fique mais evidente entre a retirada da fralda e o início da adolescência.

É uma condição multifatorial. O atraso na aquisição da inibição cortical das contrações do detrusor é a causa mais aceita. Assim, a persistência da hiperatividade detrusora leva a criança ao uso excessivo dos músculos do assoalho pélvico na tentativa de evitar a perda de urina e adiar a micção. A contração simultânea do músculo detrusor e dos músculos do assoalho pélvico gera um aumento de pressão intra vesical podendo causar hipertrofia do músculo detrusor assim como hiperatividade dos músculos do assoalho pélvico. Esse comportamento, a longo prazo, pode causar alterações na capacidade da bexiga e dificuldade no relaxamento adequado dos músculos do assoalho pélvico na fase do esvaziamento vesical predispondo a resíduo pós-miccional. Além disso é causa importante de infecção urinária e comumente está associada a refluxo vesico-ureteral, fatores de risco para lesões renais. Outras consequências da DTUI são: baixa da autoestima, isolamento social e alterações comportamentais.

Existem diversos tipos de DTUI, tais como bexiga hiperativa, bexiga hipoativa, disfunção vesico intestinal, micção disfuncional, dentre outras. Elas se diferem quanto aos sintomas, e cada uma delas necessitará de uma abordagem específica. Uma boa avaliação fisioterapêutica deve ser feita a fim de definir a condição e o tratamento a ser realizado. Nesta avaliação, além da entrevista e do exame clínico, também é necessário avaliar os músculos do assoalho pélvico e realizar a avaliação do padrão miccional.

Existem algumas comorbidades frequentemente associadas à DTUI e que devem ser abordadas anteriormente ou concomitantemente ao tratamento fisioterapêutico, tais como constipação intestinal, transtornos psiquiátricos como Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade e apneia do sono. A constipação intestinal está presente em 50% dos casos. A retenção de fezes pode atrapalhar o funcionamento da bexiga além de predispor a ocorrência de infecção urinária.

Em todos as condições de DTUI o tratamento de primeira linha é a Uroterapia. Esta consiste em todo tratamento não cirúrgico e não farmacológico e se divide em Uroterapia padrão e Uroterapia com intervenções específicas. A Uroterapia padrão pode (e deve) ser feita por todo profissional da saúde envolvido no tratamento da criança e consiste na análise dos hábitos miccionais, intestinais e de ingesta hídrica da criança, orientações sobre hábitos adequados, explicação sobre o funcionamento do trato urinário, orientação quanto a postura miccional e evacuatória, apoio e incentivo à criança e seus cuidadores. Quando a Uroterapia padrão isolada não apresenta resultado satisfatório pode-se agregar algumas das intervenções específicas, tais como treinamento da musculatura do assoalho pélvico, Biofeedback, neuromodulação, urofluxometria com eletromiografia, alarme noturno para enurese, cateterismo intermitente limpo e psicoterapia. Com exceção das duas últimas, todas as demais são técnicas utilizadas pela fisioterapia. Elas podem e devem ser integradas à Uroterapia padrão de acordo com a necessidade de cada criança.

Na hiperatividade detrusora por exemplo, o objetivo será inibir as contrações involuntárias da bexiga e controlar a urgência miccional. Uma opção de tratamento seria a Uroterapia padrão e a neuromodulação. Esta técnica consiste na aplicação de correntes elétricas por meio de eletrodos de superfície, as quais estimulam vias aferentes na região sacral e ativam áreas corticais envolvidas no controle da bexiga. É um procedimento indolor e bem tolerado pelas crianças.

 Na micção disfuncional, o objetivo será resgatar a coordenação ao urinar. Além da Uroterapia padrão, o uso do equipamento de Biofeedback ou da urofluxometria com eletromiografia ajudaria no treino do assoalho pélvico visando resgatar o padrão miccional adequado, ou seja, treinar o relaxamento desses músculos durante a micção. O Biofeedback é o tratamento de primeira linha para as micções disfuncionais. Ele auxilia a criança a entender, através de estímulos visuais e auditivos, como relaxar os músculos perineais ao urinar, e como contrai-los quando precisar. Assim, a criança aprenderá urinar de forma correta e eficaz. Hoje existem software animados e temáticos, voltados para o público infantil, que ajudam bastante na motivação e na adesão ao tratamento.

Além das técnicas citadas acima, definidas pela International Children´s Continence Society (ICCS), existem diversas possibilidades e técnicas que podem ser agregadas ao tratamento de crianças e adolescentes com DTUI. Entretanto, é indispensável o conhecimento aprofundado da condição e das necessidades de cada paciente. Envolver a criança, mantê-la motivada e ter objetividade são características que devem estar presentes nos atendimentos.    

Texto escrito pela Dra. Melissa

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